terça-feira, 8 de dezembro de 2015

"Qual o limite do humor?"

"Qual o limite do humor?"

Creio que essa é a pergunta que 9 entre 10 humoristas já devem ter escutado em algum momento da sua carreira. Muito já se debateu sobre isso, principalmente em pautas sobre o preconceito. De fato, podemos dizer que os tempos mudaram um pouco. Antigamente, n'Os Trapalhões, não era raro fazer piadas sobre Mussum ser negro e "cachaceiro", Dedé transparecer um jeito um pouco afeminado, Didi ser nordestino e/ou Zacarias ter um jeito um pouco ingênuo e até infantil. Todos riam do grupo, e fez o sucesso que fez, por 25 anos, cativando jovens, e futuramente, seus filhos. 

Hoje em dia, ao invés de dizer que o "limite do humor está diminuindo", acho mais justo falar que o respeito às diferenças aumentou. Movimentos contra o preconceito por gênero, classe, cor, opção sexual, política, religiosa e afins vem ganhando força cada vez mais, e com todo o direito. Em pleno 2015, ver casos de desrespeito às diferenças é algo um pouco absurdo. É como se não estivéssemos evoluindo, é como se estivéssemos nos agarrando a conceitos arcaicos de épocas outroras, que não deveriam se aplicar nos tempos evoluídos (evoluídos?) de hoje. 

Sei que muito já se foi debatido sobre preconceito, inclusive aqui, aqui e aqui, mas não custa ressaltar. Continuo com a ideia de que alguns casos de preconceito deve ser tratado com desprezo, com desdém; pois alguns preconceituosos parecem querer mais notoriedade do que outra coisa. Mas em outros casos, acho que se deve lutar mesmo, brigar, se impor, se mostrar realmente descontente com a situação e tentar impor seu ponto de vista. 

O último caso ocorrido, o qual eu queria comentar aqui, me tocou mais do que qualquer outro, foi mais "pessoal". Quem me conhece, sabe que me considero um nerd/geek/gamer/otaku/qualquer-nomenclatura-não-denegritória que represente a chamada "sociedade de consumo pop". Filmes, séries, animes, games, tecnologia... sempre tento me informar o máximo possível sobre tais assuntos, sendo até procurado por alguns amigos quando querem perguntar algo ou tirar alguma dúvida sobre um desses temas. E esse fim de semana, ocorreu o maior evento dedicado à esse público da América Latina, a Comic-Con Experience, em São Paulo, de 3 a 6 de dezembro. Trazendo grandes nomes da cultura pop, como Frank Miller (uma das lendas dos quadrinhos, desenhista d'O Cavaleiro das Trevas e de Sin City), Evangeline Lilly (Kate de Lost e a futura Vespa da Marvel), John Rhys-Davies (Gimli, da trilogia d'O Senhor dos Anéis), Misha Collins (Supernatural) entre outras celebridades. Além disso, produtoras de renome internacional como a Fox, Warner, Disney e Netflix trazendo conteúdos exclusivos e várias celebridades e webcelebridades nacionais (Jovem Nerd, Castro Brothers, MRG, Irmãos Piológo entre outros). Tudo muito maravilhoso, com conteúdos exclusivos para o evento, muitos cosplayers de qualidade, segurança e um público que atendia e aceitava todos os pedidos da produção...

Até que chegou a cobertura do Pânico na Band. 

É de comum conhecimento que o Pânico sempre costuma cobrir eventos assim "da sua forma", com bastante sarcasmo, um humor mais "ácido", que tira bastante sarro dos entrevistados. Cabe a cada um levar na brincadeira ou não o que ouve do pessoal do programa, que já teve vários casos conhecidos de gente que REALMENTE não gostou de alguma brincadeira feita pelo programa e/ou simplesmente não gosta do estilo. Mas, dessa vez, o que ocorreu meio que "passou dos limites", principalmente dentro da comunidade nerd. A matéria foi ao ar no domingo passado, último dia da CCXP. Como vocês já devem ter visto - se não viram, é só verem aqui - é algo para se lamentar:


Primeiro de tudo, podemos comentar sobre a falta de conhecimento sobre o assunto. A matéria começa com Não estou dizendo que precisam ser expert no assunto, mas uma rápida Googleada em "Batman" para saber que Frank Miller NÃO foi o criador do herói, e sim o desenhista de uma das mais icônicas histórias do homem-morcego, "The Dark Knight Returns". Batman é de 1939, 18 anos antes do nascimento de Frank Miller. Não é questão de confusão, e sim de Matemática mesmo.

Mas isso é o mais "aceitável" da parte da matéria de dentro da Comic-Con. O velho esteriótipo de que o nerd é o cara inteligente, tímido, de gosto duvidoso para moda e impopular da escola foi usado. Para piorar, os cosplayers foram os principais alvos da dupla. Disseram pra mãe e filha que "a pia tava cheia de louça pra lavar" enquanto elas estavam no evento, chamaram de "trouxa" um cosplayer só por estar lá caracterizado, fizeram piada com um cadeirante que luta contra um câncer - sim, UM CADEIRANTE QUE LUTA CONTRA UM CÂNCER - e chegaram a lamber o braço de uma menina que fazia cosplayer da Estelar. 


Venho aqui depois de um dia ultra cansativo na CCXP, INFELIZMENTE fazendo uma postagem de extremo desgosto. Mas não é...
Posted by Myo Tsubasa on Sábado, 5 de dezembro de 2015

Vale lembrar que a versão da matéria que foi para o perfil oficial do Pânico no Youtube primeiramente teve a cena da lambida CORTADA, e agora o vídeo nem aparece mais na sessão.

O problema não é só o desrespeito à pessoa, e sim o desrespeito também ao TRABALHO desses cosplayers. Conheço alguns cosplayers e sei que isso é uma verdadeira arte, que muitas vezes é bastante onerosa. Trajes, perucas, maquiagem e outros acessórios com custeados muitas vezes do próprio bolso, e com valores altos, sem falar no sofrimento de ficar ali maquiado/fantasiado por várias horas, passando calor, fome e desconforto. É muito legal quando você vai em algum evento e vê um cosplayer do seu personagem favorito de filme/anime/série/game/o-que-for e vai lá tirar uma foto com ele, mas é difícil imaginar o quão duro ele deu e está dando para estar ali, acessível - talvez até mesmo sem querer estar - para que você possa tirar uma foto e publicar no seu Instagram. Eu mesmo já fiz isso (a parte de tirar foto, não a de desrespeitar)!

Uma foto publicada por Fernando Montanaro (@montanaroo) em

Além do mais, independente de todo o trabalho, é necessário respeitar a VONTADE de ser cosplayer. Ninguém está lá obrigado, todos - creio eu - fazem por GOSTAR daquilo. Se o menino quer usar uma armadura de 10 kg ou a menina quer usar uma saia e um top e se pintar de laranja, são problemas deles. Não cabe nem a mim, nem a você e nem a qualquer programa de televisão julgar se aquilo é certo ou errado, se é adequado ou não.

Com isso, venho aqui parabenizar a produção da CCXP, especialmente ao Grupo Omelete - um dos organizadores do evento e um dos maiores sites de cultura pop/nerd do Brasil - pela nota soltada na segunda-feira:


CCXP 2015 | Nota de repúdio ao programa Pânico na BandNa CCXP - Comic Con Experience, todas as pessoas são bem-vindas...
Posted by Omelete on Segunda, 7 de dezembro de 2015

Não só a postura do Omelete merece elogios, mas a como de outros "participantes" desse meio, como Marcos Castro e Afonso Solano e mais outros, que nas suas redes sociais repudiaram o comportamento do programa, além das manifestações em sites especializados, como esse aqui.



Infelizmente, quando você espera que o programa se retrate de alguma forma, depois de um dia de enxurrada de críticas e má publicidade em N sites, eles soltam essa:


Lamentável foi essa atitude, Pânico na Band. Lamentável.